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Profissionais do Hospital Santa Júlia relatam tentativa de ocultar erro médico que resultou na morte do menino

por policia24h
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Três testemunhas afirmaram à Polícia Civil do Amazonas que a médica Juliana Brasil Santos tentou adulterar o prontuário médico para ocultar o erro na prescrição de adrenalina que levou à morte de Benício Xavier, de 6 anos, em Manaus. A informação foi divulgada pelo delegado Marcelo Martins, responsável pela investigação do caso.​

Benício morreu na madrugada de 23 de novembro após receber doses intravenosas de adrenalina prescritas incorretamente. A médica admitiu o erro em documento enviado à polícia e em mensagens em que pediu ajuda ao médico Enryko Queiroz, mas sua defesa afirma que a confissão foi feita “no calor do momento”.​

Tentativa de manipulação de provas

“Essa é uma afirmação de algumas testemunhas. Nós temos três testemunhas que indicaram, que apontaram essa situação e que eu trouxe a público uma vez que todos os advogados estão tendo acesso a todos os depoimentos”, declarou o delegado Marcelo Martins. Segundo ele, os relatos vieram de profissionais que trabalhavam no hospital no momento do atendimento.​

A médica teria tentado obter acesso à prescrição médica original para suprimi-la e editar os dados no sistema para que não aparecesse o fato de ter prescrito adrenalina pela via endovenosa em vez da via de nebulização. O delegado afirma que as circunstâncias podem agravar a situação da profissional.​

Martins destaca que a polícia avalia a questão do dolo eventual, ou seja, se houve indiferença em relação à vida de Benício. “Estamos nos atentando a todos esses detalhes para poder verificar se teve dolo eventual ou se foi só um homicídio culposo e até que ponto a ação ou omissão dos envolvidos culminou na morte da criança”, explicou.​

Liminar impede prisão preventiva

Apesar dos relatos apontarem tentativa de manipular as provas, um pedido de prisão não pode ser feito devido a uma liminar deferida no pedido de Habeas Corpus apresentado pela defesa de Juliana e aceito pela Justiça. A técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva, responsável pela aplicação do medicamento, também é investigada. Ambas respondem ao inquérito em liberdade.​

“Se não fosse esse Habeas Corpus, isso seria uma causa forte de prisão pois adulteração de provas é um elemento forte de pedido de prisão. De toda forma, como existe essa liminar deferida, não pode ser formulado novo pedido uma vez que está, desde já, vetado preventivamente qualquer tipo de segregação de liberdade em relação a doutora Juliana Brasil”, afirmou o delegado.​

Depoimentos e investigação

Na terça-feira (2), outras seis pessoas foram escutadas, entre elas um médico e três enfermeiros que estavam de plantão na UTI do Hospital Santa Júlia. Os pais de Benício também foram chamados para confirmar informações já recebidas pela polícia.​

A polícia ouviu ainda, na segunda-feira (1º), o médico Enryko Garcia, que confirmou a troca de mensagens com Juliana Brasil. O enfermeiro Tairo Neves Maciel confirmou a versão da técnica de enfermagem de ter ficado sozinha no atendimento, contrariando o relato da médica.​

Defesa alega falha no sistema

A defesa de Juliana Brasil Santos sustenta que uma falha no sistema automatizado do Hospital Santa Júlia teria alterado a via de administração registrada pela médica. Os advogados afirmam que a mudança não foi percebida e insistem que falhas estruturais da unidade contribuíram para o agravamento do quadro do menino.​

“Juliana não escreveu a prescrição manualmente. Quando ela escreve a via de administração, o próprio sistema pode entender que está incorreta e alterá-la automaticamente. Isso já foi relatado por outros profissionais. Se fosse uma prescrição escrita, o erro não teria acontecido”, disse o advogado Felipe Braga.​

O delegado, no entanto, afirma que apenas o resultado de uma perícia técnica realizada no sistema do hospital poderá concluir se houve a falha. No sábado (6), os pais de Benício publicaram uma carta aberta contestando a versão apresentada pela defesa.​

“Também está demonstrado que não houve qualquer falha de sistema. O próprio prontuário registra que, horas depois, na UTI, a equipe médica prescreveu corretamente a adrenalina pela via inalatória, evidenciando que o software registra adequadamente as vias de administração e não sofreu instabilidade capaz de alterar prescrições”, diz trecho do documento.​

Dose 15 vezes maior que a recomendada

Benício Xavier teria recebido uma dose de adrenalina cerca de 15 vezes maior que a recomendada para casos de parada cardiorrespiratória. A informação foi dada pela coordenadora da UTI pediátrica do Hospital Santa Júlia, Ana Rosa Pedreira Varela, em depoimento prestado à Polícia Civil.​

Segundo Ana Rosa, Benício sofreu uma overdose de adrenalina que comprometeu tecidos vitais dos pulmões, rins e coração. Ela explicou que um adulto de 70 a 100 kg em parada cardiorrespiratória recebe, em geral, 1 ml de adrenalina pura. O menino, porém, recebeu 3 ml diretamente na veia, mesmo tendo chegado ao hospital andando, com um quadro de laringite.​

Afastamento e investigação ética

No dia 26 de novembro, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) abriu processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica. O Hospital Santa Júlia afastou tanto Juliana quanto a técnica de enfermagem Raiza Bentes.​

Em relatório enviado à Polícia Civil, Juliana reconheceu que errou ao prescrever adrenalina na veia. Ela afirmou ter informado à mãe que a medicação deveria ser administrada por via oral e disse ter se surpreendido pela enfermagem não questionar a prescrição. A técnica Raiza Bentes declarou que apenas seguiu o que estava registrado no sistema.​

Como aconteceu a tragédia

Benício foi levado ao Hospital Santa Júlia no dia 22 de novembro com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, ele recebeu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml a cada 30 minutos, aplicadas por uma técnica de enfermagem.​

“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição“, relatou o pai.​

O menino piorou rapidamente: ficou pálido, com membros arroxeados, e disse que “o coração estava queimando”. A saturação caiu para cerca de 75%. Ele foi levado à sala vermelha e depois para a UTI por volta das 23h. Durante a intubação, sofreu as primeiras paradas cardíacas. Foram seis no total. Ele morreu às 2h55 do dia 23 de novembro.​

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