O caso do menino Erlon Gabriel, de apenas 2 anos, que está desaparecido desde o dia 6 de fevereiro, pode ganhar um novo rumo nos próximos dias. Segundo a delegada Joyce Coelho, da Delegacia Especializada em Proteção a Criança e ao Adolescente (Depca), a mãe da criança pode ser indiciada pelo crime de abandono de incapaz.
“A Maria mente desde o primeiro dia que o filho dela desapareceu. Primeiro mentiu sobre a quantidade de filhos, depois sobre o atual companheiro, depois sobre ter deixado a criança sozinha em casa com a irmã de 12 anos. A história de sequestro está descartada. Houve negligência dessa mãe”, afirmou a delegada.
Hoje completa um mês do desaparecimento da criança. No primeiro contato da polícia com a família surgiu a história do “carro preto”, depois a conversa de que Erlon teria sido sequestrado por venezuelanos e, por fim, a de que ele possa ter caído no igarapé nos fundos de sua casa, na rua 7, no bairro União da Vitória, na zona oeste de Manaus.
A polícia sofreu muita pressão para investigar o caso, principalmente devido a comoção que se formou após a repercussão nacional da história.
Mas desde os primeiros dias a delegada de proteção a criança e ao adolescente percebeu haver algo errado nessa história.
Primeiras mentiras
A versão inicial dada por Maria Dias era de que ela estava em casa com a filha de 12 anos, e o companheiro, quando Erlon desapareceu. Ela contou a polícia que enquanto cuidava de casa, o menino brincava na área externa da residência sozinho.
Em um certo momento, Maria mandou a irmã procurar por Erlon, foi quando ela voltou dizendo que ele havia sumido. Nessa hora Maria conta a polícia que um vizinho, adolescente, teria contado a história do carro preto.
Mas com o avançar das investigações, e após ouvir os vizinhos, a delegada descobriu uma das primeiras mentiras da mãe de Erlon.
“Um vizinho disse que ao sair para trabalhar, por volta de 7h30 da manhã, viu o Erlon brincando sozinho em frente da casa dele. Uma outra vizinha disse que mais tarde também viu a criança sozinha. E, por fim, um outro vizinho disse ter visto a irmã dele, de 12 anos, procurando o Erlon já perto de 11h30 da manhã”, contou a delegada.
Quatro horas sozinho
Com base nessas testemunhas, e como Maria insistia em dizer que os vizinhos estavam errados, a delegada resolveu ouvir o padrasto de Erlon. “Aí surgiu uma outra mentira da Maria”, disse Joyce Coelho.
A mãe do menino Erlon não queria dar o nome certo do companheiro. Ela também mentiu sobre a idade. Maria disse que ele teria 20 anos. “Eu achei isso muito estranho”, confessou a delegada.
Foi então que a equipe de investigação da Depca descobriu que o companheiro dela tinha apenas 17 anos e possuía um mandado de prisão em aberto por envolvimento em um crime de roubo seguido de morte, o chamado latrocínio.
“Eu chamei ele aqui na delegacia para depor. Foi aí que ele me contou que no dia em que o Erlon desapareceu, ele e a Maria foram até a Bemol da avenida Torquato Tapajós para pagar umas contas e fazer umas transferência”, contou Joyce.
Segundo a delegada, o adolescente, companheiro de Maria, disse que eles haviam saído de casa umas 7h da manhã, deixando o menino e a irmã dormindo, só retornado perto de 11h30.
Uma das vizinhas, dona Val Sampaio, estendia roupa por volta das 8h30 da manhã daquele dia 6 de fevereiro e viu Erlon sozinho.
“Ele estava brincando só de coequinha clara. A irmã dele estava lá pra dentro. Não tinha mais ninguém em casa”, lembrou.
A delegada acredita que a criança acordou primeiro que a irmã de 12 anos e saiu de casa para brincar, confirmando a versão dos vizinhos. E, nesse período de aproximadamente quatro horas sozinho, algo aconteceu com Erlon.
Traição e as facções
Logo que soube da ficha criminal do companheiro de Maria, a delegada deu cumprimento ao mandado de prisão contra o adolescente e chamou a mãe de Erlon para uma nova conversa.
Aí novas mentiras foram contadas na delegacia.
Primeiro Maria justificou não ter revelado o nome do companheiro por medo, pois ele era envolvido com uma facção criminosa.
Depois ela negou a delegada ter outro filhos além de Erlon e a menina de 12 anos. Mas a delegada insistiu na investigação e descobriu que Maria era mãe de quatro filhos: um rapaz de 17, uma moça de 16, a menina de 12 e Erlon de 2 anos.
Nessa altura da investigação, a delegada já sabia que o pai biológico de Erlon estava preso na penitenciária e que também fazia parte de uma facção criminosa.
Intrigada com a versão de Maria, que alardeava que o filho Erlon podia ter sido sequestrado por vingança da facção rival, a própria delegada foi ao Centro de Detenção Provisória 2 (CDPM2), no km 6 da BR-174, ouvir o pai da criança.
Isso aconteceu na semana passada.
Em depoimento Elon Lino da Costa, de 27 anos, revelou a delegada que há mais de um ano não recebia notícias de Maria e do filho Erlon. Segundo o pai do menino, desde que ela foi detida tentado entrar no presídio com drogas para ele, nunca mais se falaram, a não ser quando ela lhe enviou uma carta informando que iria se mudar do Bairro da União, na zona centro-sul.
O pai do menino Erlon, inclusive, contou que só soube do desaparecimento do filho através de uma cunhada, durante uma visita no presídio. Foi nesse dia também que ele soube da traição de Maria com um “colega” de facção de apenas 17 anos.
FDN por CV
Nesse dia do depoimento à delegada Joyce, Elon contou ter trocado a Família do Norte (FDN) pelo Comando Vermelho (CV) e que, por isso, passou a ser jurado de morte.
Contudo, o próprio Elon disse que a facção não se vinga dos membros atacando familiares, muito menos um inocente, como o filho dele.
“Ele me disse que assim que soube do desaparecimento do filho, a facção mandou correr todas as bocas de Manaus para ter notícias do menino. E ninguém disse saber. Por isso que essa história de sequestro por facção rival também já está descartada”, explicou Joyce Coelho
Nesse dia, também, Elon contou a delegada sobre o envolvimento dos dois filhos mais velhos de Maria com o crime organizado. O de 17 anos seria do Comando Vermelho e a menina de 16 seria casada com um membro da FDN.
O pai do menino Erlon revelou ainda estar muito revoltado com Maria e com esse atual companheiro dela. Ele, inclusive acredita ou que Maria tenha se desentendido com o adolescente e matado a criança ou realmente tenha acontecido algo por negligência deles dois.
Segundo a delegada, desde o dia em que conversou com o pai do menino Erlon, ela tenta fazer com que Maria apresente os dois filhos mais velhos para serem ouvidos na delegacia. “Já faz uma semana que ela prometeu vir aqui e não aparece”, disse Coelho.
Abandono de incapaz
Diante de tudo o que já foi levantado nesse um mês de investigação: das mentiras; das contradições; das buscas feitas tanto pelo canil quanto pelos bombeiros por toda a extensão do igarapé que passa nos fundos de onde a criança morava; e com os depoimentos já tomados, a delegada Joyce Coelho deve indiciar a mãe de Erlon Gabriel pelo crime de abandono de incapaz.
“Eu preciso ouvir esses dois filhos dela ainda para fechar toda a história. Mas está muito claro que a investigação não percorreu o melhor caminho desde o início porque ela mentiu desde o começo. Tudo caminha para a conclusão de que essa criança sumiu em decorrência de uma negligência”, concluiu a delegada.
Nessa sexta-feira, dia 6, voltamos no local em busca de Maria, mas ela se mudou logo após tudo acontecer.
Conseguimos o novo número de telefone dela, 9952X-50X2, mas Maria disse que não quer mais dar entrevista sobre o caso.