Em fevereiro deste ano, após aproximadamente um ano de uma guerra sangrenta em Manaus entre as facções Família do Norte (FDN) e Comando Vermelho (CV), a organização com raízes no Rio de Janeiro sobrepujou seu maior adversário no Amazonas. Talvez o que eles não imaginassem era que seu maior inimigo nacional, o PCC (Primeiro Comando da Capital) surgisse tão rápido para brigar pelo domínio do tráfico no Amazonas.
“A guerra recomeçou”, dizem policiais ouvidos pelo P24h, mas que preferem anonimato. Agora a disputa é entre rivais históricos no eixo Sul-Sudeste.
E não é de hoje que o PCC tenta dominar o Amazonas. Desde meados dos anos 2010 a facção paulistana tenta assumir a chamada “Rota Solimões”, que escoa a droga da Colômbia e Peru para o mundo, via Rio Solimões.
Inclusive esse interesse da facção paulistana foi mostrado no documentário “Primeiro Cartel da Capital” do portal UOL. Contudo, como a FDN sempre foi muito forte e unida no Amazonas e, na época, havia se aliado ao Comando Vermelho, os planos da facção de Marcos Camacho, o “Marcola”, não prosperaram, principalmente após o massacre do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em 2017.
Mas agora, com a queda da FDN o PCC viu a oportunidade para crescer no Amazonas. Pelas ruas de Manaus já se vê inscrições com a sigla da facção paulistana, o que demonstra seu avanço.
Além disso, confrontos entre membros do PCC e do CV já começam a ser registrados em Manaus, como o que noticiamos na comunidade Nossa Senhora de Fátima 1, na zona norte, na madrugada de ontem.
As autoridades não falam abertamente sobre isso, mas dizem que estão acompanhando esse avanço.
Mas porque o Amazonas é tão cobiçado?
O Estado do Amazonas sempre foi considerado a “menina dos olhos de ouro” para as principais facções criminosas que atuam no tráfico de drogas no país. Tanto por sua posição geográfica com os grandes produtores de cocaína e maconha na América do Sul (Colômbia e Peru), quanto pela região portuária da capital Manaus, de onde saem navios cargueiros para o resto do mundo.
Nossos rios, principalmente no período de cheia, são impossíveis de serem fiscalizados pelas Forças de Segurança, devido a capilaridade de acessos. Isso é um prato cheio para se escoar grandes carregamentos de drogas da fronteira para Manaus.
Se o PCC dominar o Amazonas, de fato ele se confirma não mais como uma facção criminosa, mas sim como o primeiro cartel brasileiro da história.
Da FDN ao PCC
Até meados dos anos 2000 o tráfico de drogas no Amazonas tinha um domínio praticamente único: a Família do Norte (FDN). A facção crescia tendo os maiores traficantes de Manaus em seu comando: José Roberto Fernandes Barbosa, o “Zé Roberto da Compensa”; Gelson Carnaúba, o “Mano G”; João Pinto Carioca, o “João Branco”; Alan de Souza Cartimário, o “Nanico”, Cleomir Ribeiro, o “Copinho”; e Geomison de Lira Arante, o “Cantor”.
Por anos eles dominaram a “Rota Solimões”, usada para escoar grandes carregamentos da Colômbia e Peru para Manaus e, daqui, para o Mundo.
Paralelamente ao crescimento da FDN, inclusive em outros Estados da região Norte e também Nordeste, outras facções começaram a se incomodar com o avanço dos nortistas. Principalmente as duas maiores organizações criminosas do país: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Mas como o crime é organizado, logo surgiram alianças e também grandes rupturas.
Ao passo que a FDN buscava se aliar ao Comando Vermelho, alguns de seus membros se rebelaram e se uniram ao Primeiro Comando da Capital. Uma outra fração de desertores criou uma facção própria, chamada de “Espartanos 300”, que tinha o bairro da União como seu reduto e os traficantes Ronairon Medeiros e Winchester Cardoso, o “Chester”, como líderes.
Mas logo os Espartanos foram eliminados, deixando caminho aberto para a aliança FDN-CV contra o PCC.
Após o massacre do Compaj, em janeiro de 2017, o PCC foi praticamente extinto do Amazonas. FDN e CV seguiram juntos, mas a aliança não durou muito. Um novo racha interno deu início a guerra entre a Família do Norte e Comando Vermelho.
Mas, dessa vez, o CV tinha em suas fileiras grandes ex-líderes da FDN que trouxeram muitos aliados. A guerra só aumentou e, em 11 de fevereiro, quando Manaus foi surpreendida por uma intensa queima de fogos de artifício e vídeos nas redes sociais que falavam da tomada da facção carioca sobre as bocas de fumo da facção amazonense, imaginou-se que haveria paz na cidade.
Mas aquele não era o fim da guerra entre facções pelo domínio do tráfico de drogas no Amazonas. Era apenas mais um capítulo que se encerrava para outro começar. Agora a guerra é outra e as forças de segurança precisam continuar agindo e dando respostas como a dessa quinta-feira, dia 21, com a operação “Contra-Ataque”, que terminou com a morte do traficante Enilton Cordovil Coelho, o “Roleta”, apontado pela polícia como o número um do CV no Amazonas.
As polícias precisam apertar o cerco para que essa nova guerra não produza os mesmos efeitos de insegurança vistos na recente guerra entre CV e FDN.